7. Devido à riqueza que os dois anos de reflexão do caminho sinodal ofereceram, esta Exortação aborda, com diferentes estilos, muitos e variados temas. Isto explica a sua inevitável extensão. Por isso, não aconselho uma leitura geral apressada. Poderá ser de maior proveito, tanto para as famílias como para os agentes de pastoral familiar, aprofundar pacientemente uma parte de cada vez ou procurar nela aquilo de que precisam em cada circunstância concreta. É provável, por exemplo, que os esposos se identifiquem mais como quarto e quinto capítulo, que os agentes pastorais tenham especial interesse pelo capítulo sexto, e que todos se sintam muito interpelados pelo oitavo. Espero que cada um, através da leitura, se sinta chamado a cuidar com amor da vida das famílias, porque elas não são um problema, são sobretudo uma oportunidade.[4]
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25. Dito isto, compreende-se que o desemprego e a precariedade laboral gerem sofrimento, como atesta o livro de Rute e como lembra Jesus na parábola dos trabalhadores sentados, em ócio forçado, na praça da localidade (cf. Mt 20, 1-16), ou como pôde verificar pessoalmente vendo-Se muitas vezes rodeado de necessitados e famintos. Isto mesmo vive tragicamente a sociedade actual em muitos países, e esta falta de emprego afecta, de várias maneiras, a serenidade das famílias.
34. Se estes riscos se transpõem para o modo de compreender a família, esta pode transformar-se num lugar de passagem, aonde uma pessoa vai quando lhe parecer conveniente para si mesma ou para reclamar direitos, enquanto os vínculos são deixados à precariedade volúvel dos desejos e das circunstâncias. No fundo, hoje é fácil confundir a liberdade genuína com a ideia de que cada um julga como lhe parece, como se, para além dos indivíduos, não houvesse verdades, valores, princípios que nos guiam, como se tudo fosse igual e tudo se devesse permitir. Neste contexto, o ideal matrimonial com um compromisso de exclusividade e estabilidade acaba por ser destruído pelas conveniências contingentes ou pelos caprichos da sensibilidade. Teme-se a solidão, deseja-se um espaço de protecção e fidelidade mas, ao mesmo tempo, cresce o medo de ficar encurralado numa relação que possa adiar a satisfação das aspirações pessoais.
35. Como cristãos, não podemos renunciar a propor o matrimónio, para não contradizer a sensibilidade actual, para estar na moda, ou por sentimentos de inferioridade face ao descalabro moral e humano; estaríamos a privar o mundo dos valores que podemos e devemos oferecer. É verdade que não tem sentido limitar-nos a uma denúncia retórica dos males actuais, como se isso pudesse mudar qualquer coisa. De nada serve também querer impor normas pela força da autoridade. É-nos pedido um esforço mais responsável e generoso, que consiste em apresentar as razões e os motivos para se optar pelo matrimónio e a família, de modo que as pessoas estejam melhor preparadas para responder à graça que Deus lhes oferece.
36. Ao mesmo tempo devemos ser humildes e realistas, para reconhecer que às vezes a nossa maneira de apresentar as convicções cristãs e a forma como tratamos as pessoas ajudaram a provocar aquilo de que hoje nos lamentamos, pelo que nos convém uma salutar reacção de autocrítica. Além disso, muitas vezes apresentámos de tal maneira o matrimónio que o seu fim unitivo, o convite a crescer no amor e o ideal de ajuda mútua ficaram ofuscados por uma ênfase quase exclusiva no dever da procriação. Também não fizemos um bom acompanhamento dos jovens casais nos seus primeiros anos, com propostas adaptadas aos seus horários, às suas linguagens, às suas preocupações mais concretas. Outras vezes, apresentámos um ideal teológico do matrimónio demasiado abstracto, construído quase artificialmente, distante da situação concreta e das possibilidades efectivas das famílias tais como são. Esta excessiva idealização, sobretudo quando não despertámos a confiança na graça, não fez com que o matrimónio fosse mais desejável e atraente; muito pelo contrário.
46. As migrações constituem outro sinal dos tempos, que deve ser enfrentado e compreendido com todo o seu peso de consequências sobre a vida familiar.[30] O último Sínodo atribuiu grande importância a esta problemática ao reconhecer que, sob modalidades diferentes, atinge populações inteiras em várias partes do mundo. A Igreja desempenhou, neste campo, papel de primária grandeza. A necessidade de manter e desenvolver este testemunho evangélico (cf. Mt 25, 35) aparece hoje mais urgente do que nunca. (...) A mobilidade humana, que corresponde ao movimento histórico natural dos povos, pode revelar-se uma verdadeira riqueza tanto para a família que emigra como para o país que a recebe. Caso diferente é a migração forçada das famílias, em consequência de situações de guerra, perseguição, pobreza, injustiça, marcada pelas vicissitudes duma viagem que, muitas vezes, põe em perigo a vida, traumatiza as pessoas e destabiliza as famílias. O acompanhamento dos migrantes exige uma pastoral específica dirigida tanto às famílias que emigram como aos membros dos núcleos familiares que ficaram nos lugares de origem. Isto deve ser feito respeitando as suas culturas, a formação religiosa e humana da sua origem, a riqueza espiritual dos seus ritos e tradições, inclusive através dum cuidado pastoral específico. (...) As migrações revelam-se particularmente dramáticas e devastadoras tanto para as famílias como para as pessoas, quando têm lugar à margem da legalidade e são sustentadas por circuitos internacionais do tráfico de pessoas. O mesmo se pode dizer quando envolvem mulheres ou crianças não acompanhadas, forçadas a estadias prolongadas nos locais de passagem entre um país e outro, nos campos de refugiados, onde não é possível iniciar um percurso de integração. A pobreza extrema e outras situações de desintegração induzem, por vezes, as famílias até mesmo a vender os próprios filhos para a prostituição ou o tráfico de órgãos.[31] As perseguições dos cristãos, bem como as de minorias étnicas e religiosas, em várias partes do mundo, especialmente no Médio Oriente, constituem uma grande prova: não só para a Igreja mas também para toda a comunidade internacional. Devem ser apoiados todos os esforços para favorecer a permanência das famílias e das comunidades cristãs nas suas terras de origem.[32]
56. Outro desafio surge de várias formas duma ideologia genericamente chamada gender, que nega a diferença e a reciprocidade natural de homem e mulher. Prevê uma sociedade sem diferenças de sexo, e esvazia a base antropológica da família. Esta ideologia leva a projectos educativos e directrizes legislativas que promovem uma identidade pessoal e uma intimidade afectiva radicalmente desvinculadas da diversidade biológica entre homem e mulher. A identidade humana é determinada por uma opção individualista, que também muda com o tempo.[45] Preocupa o facto de algumas ideologias deste tipo, que pretendem dar resposta a certas aspirações por vezes compreensíveis, procurarem impor-se como pensamento único que determina até mesmo a educação das crianças. É preciso não esquecer que sexo biológico (sex) e função sociocultural do sexo (gender) podem-se distinguir, mas não separar.[46]Por outro lado, a revolução biotecnológica no campo da procriação humana introduziu a possibilidade de manipular o acto generativo, tornando-o independente da relação sexual entre homem e mulher. Assim, a vida humana bem como a paternidade e a maternidade tornaram-se realidades componíveis e decomponíveis, sujeitas de modo prevalecente aos desejos dos indivíduos ou dos casais.[47]Uma coisa é compreender a fragilidade humana ou a complexidade da vida, e outra é aceitar ideologias que pretendem dividir em dois os aspectos inseparáveis da realidade. Não caiamos no pecado de pretender substituir-nos ao Criador. Somos criaturas, não somos omnipotentes. A criação precede-nos e deve ser recebida como um dom. Ao mesmo tempo somos chamados a guardar a nossa humanidade, e isto significa, antes de tudo, aceitá-la e respeitá-la como ela foi criada.
69. São João Paulo II dedicou especial atenção à família, através das suas catequeses sobre o amor humano, a Carta às famílias Gratissimam sane e sobretudo com a Exortação apostólica Familiaris consortio. Nestes documentos, o Pontífice definiu a família caminho da Igreja; ofereceu uma visão de conjunto sobre a vocação ao amor do homem e da mulher; propôs as linhas fundamentais para a pastoral da família e para a presença da família na sociedade. Concretamente, ao tratar da caridade conjugal (cf. Familiaris consortio, 13), descreveu o modo como os cônjuges, no seu amor mútuo, recebem o dom do Espírito de Cristo e vivem a sua vocação à santidade.[61]
80. O matrimónio é, em primeiro lugar, uma íntima comunidade da vida e do amor conjugal,[80]que constitui um bem para os próprios esposos;[81]e a sexualidade ordena-se para o amor conjugal do homem e da mulher.[82]Por isso, também os esposos a quem Deus não concedeu a graça de ter filhos podem ter uma vida conjugal cheia de sentido, humana e cristãmente falando.[83]Contudo, esta união está ordenada para a geração por sua própria natureza.[84]O bebé que chega não vem de fora juntar-se ao amor mútuo dos esposos; surge no próprio coração deste dom mútuo, do qual é fruto e complemento.[85]Não aparece como o final dum processo, mas está presente desde o início do amor como uma característica essencial que não pode ser negada sem mutilar o próprio amor. Desde o início, o amor rejeita qualquer impulso para se fechar em si mesmo, e abre-se a uma fecundidade que o prolonga para além da sua própria existência. Assim nenhum acto sexual dos esposos pode negar este significado,[86]embora, por várias razões, nem sempre possa efectivamente gerar uma nova vida. 2ff7e9595c
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